24 Apr 2012

A função do Líder de Sustentabilidade

Desafios são muitos e muitos deles urgentes. Porém perfil, escopo de trabalho, melhores práticas e outras características básicas da função do líder de Sustentabilidade permanecem não claramente definidos. A função evoluiu notavelmente na última década, quando foram designados os primeiros executivos de primeiro escalão - os chamados executivos de C-Level, dentre os quais surgiu o CSO ou Chief Sustainability Officer.

O que se vê na prática hoje é que muitas empresas ainda não sabem, do ponto de vista organizacional, como acomodar esta função: deve ser implementada numa área específica da empresa? deve permear todas as áreas funcionais da empresa? ou deve ser um meio termo entre estes dois arranjos?

Sem um escopo de trabalho claro, mas principalmente sem uma estratégia corporativa de sustentabilidade bem definida, a tendência é que nenhum dos arranjos se revele mais apropriado que os demais e portanto, dúvidas sobre como nomear a função, onde localizá-la na organização e quem designar para o posto, representam um grande desafio.

Sustentabilidade não é assunto novo no mundo corporativo, que sempre teve um olhar para lucratividade e desempenho econômico no longo prazo. O que é há de novo na pauta da Sustentabilidade é o olhar integrado para um desempenho mais amplo, envolvendo não apenas a dimensão econômica mas igualmente as dimensões social e ambiental. E este novo contexto demanda não apenas uma revisita mas, essencialmente, uma integração entre estratégias de negócio, de marca e de sustentabilidade.

Segundo um estudo publicado pelo Weinreb Group em Setembro de 2011, das cerca de 7.000 empresas de capital aberto registradas na Bolsa de Valores de Nova York - NYSE e NASDAQ - apenas 29 contavam com um CSO instituído. Um problema - dada a urgência de alguns dos temas na agenda destas áreas - porém não menos importante, uma grande oportunidade para profissionais de sustentabilidade.

Uma constatação interessante é que muitas outras empresas já contam com líderes de sustentabilidade - a diferença é que eles não contam com o empowerment de uma posição de primeiro escalão. O posicionamento organizacional da função diz muito sobre o estágio de maturidade e nível de integração do tema na agenda corporativa. Algumas das principais constatações sobre a função do líder de sustentabilidade incluem:
  • É uma função em ascensão do ponto de vista organizacional. Cada vez mais são designados executivos mais altos na hierarquia, em oposição a posições tradicionalmente mais baixas;
  • Requer um bom nível de conhecimento do negócio da empresa. Em geral, líderes de sustentabilidade são designados internamente;
  • Conta com poucos recursos (FTEs). A área em si centraliza alguns temas como a execução da governança e indicadores/relatórios, mas em geral coordena trabalhos colaborativos contando com as equipes das áreas funcionais;
  • Participa do processo decisório de assuntos corporativos, em comitês executivos não apenas relacionados a sustentabilidade;
  • Precisa navegar bem em temas como comunicação executiva e relações institucionais.
Ainda segundo o estudo publicado pelo Weingreb Group, não existe concentração aparente do ponto de vista de demografia educacional dos líderes de sustentabilidade: eles têm diversas formações - administradores, advogados, engenheiros - graus de escolaridade - bacharéis, mestres, doutores - e histórico/trajetória profissional.

Como seria de se esperar dado o estágio de maturidade inicial de sua implementação, não existem ainda melhores práticas reconhecidas nem casos de sucesso a serem perseguidos para um desempenho excelente da função. Apesar disso, algumas características já são reconhecidas como indispensáveis no perfil do líder de sustentabilidade, dentre eles:
  • Habilidade para gerenciar mudanças. Boa parte do trabalho diz respeito a catalisar mudanças (sem necessariamente colher os créditos por elas);
  • Capacidade de pensar sistemicamente. Não existem respostas fáceis em sustentabilidade muito menos soluções pontuais, sem impacto;
  • Habilidade para transformar oportunidades externas em inovação interna. Desafios do mercado, mudanças no comportamento do consumidor, exigências legais e regulatórias, todos têm potencial de alavancar inovação interna;
  • Capacidade de assumir riscos. Novamente, não existem respostas fáceis, portanto é preciso assumir riscos e engajar especialistas, buscar recomendações, e com a mesma coragem, admitir erros e corrigi-los;
  • Habilidade para engajar recursos tangíveis e intangíveis. Sendo áreas enxutas, mobilizar e orquestrar bem o uso de recursos da empresa é chave para atingir resultados.
Apesar de se classificar como uma função ainda em profissionalização por tudo o que discutimos aqui, várias são as evidências de que este processo não deve levar muito tempo para estabilizar também no Brasil: iniciativas como a ABRAPS (Associação Brasileira de Profissionais de Sustentabilidade) já começam a despontar por aqui a exemplo da ISSP americana (Internacional Society of Sustainability Professionals) e seu Projeto Lexicon - que pretende estabelecer terminologia própria para a área.

O tema já atrai a atenção de muitos profissionais, leva outros tantos a buscar educação para lidar com seus muitos assuntos - a oferta de cursos de pós-graduação em Sustentabilidade em São Paulo, por exemplo, nunca foi tão grande - e outros ainda a iniciar suas jornadas de movimentação de carreira tanto para funções ligadas direta ou indiretamente com sustentabilidade, quanto para empresas mais socialmente responsáveis.

Como mencionado no início deste post, os desafios são muitos e muitos deles urgentes. Esperemos que nossas empresas entendam e se engajem rapidamente neste processo. O bom resultado terá sido bom para todos.

15 Apr 2012

Hidroanel metropolitano pode criar alternativa de transporte intermodal em São Paulo

Leio hoje com satisfação nota publicada pelO Estado de São Paulo comunicando a intenção do Departamento Hidráulico (DH) da cidade de São Paulo, de dar início à construção de um trecho do Projeto Hidroanel através de uma eclusa na Penha (Rio Tietê) que vai permitir 66km de navegabilidade.

Discussões sobre o estabelecimento de infraestrutura para exploração da modalidade de transporte fluvial em São Paulo já é assunto antigo - primeiras ideias surgiram na década de 20! Com a construção das marginais na década de 60, o assunto esfriou na medida em que se optou por priorizar o transporte rodoviário.

O motivador do financiamento do projeto agora em 2012 está ligado à sustentabilidade, na medida em que o hidroanel é visto como alternativa para transformação de lixo em energia. O projeto completo prevê 170km de trecho navegável, com capacidade para transportar de ponta a ponta o equivalente a 50 caminhões de lixo por viagem. No destino, o lixo seria encaminhado para usinas para finalização do processo de tratamento. Muitos são os desafios técnicos do projeto - alto investimento para construção de eclusas, vazão insuficiente para navegação em determinados trechos, necessidade de dragagem e manutenção eficientes, baixa pluviometria média, etc.

A escolha do trecho piloto foi motivada pela menor dificuldade técnico-operacional que ele apresenta, podendo servir como case para teste de conceito do Projeto e vitrine para negociação de parceria futura com a iniciativa privada para continuidade das obras.

Em princípio a ideia parece boa e merecedora da mobilização de especialistas para colaborar no plano e desenvolvimento do projeto. Mas também me parece que nós paulistanos merecemos mais compromisso e  assertividade dos nossos governos para que sejam dimensionadas questões fundamentais relacionadas à viabilidade econômica e ambiental de importantes projetos como estes, dentro de um tempo minimamente razoável - este, por exemplo, está nesta discussão de viabilidade/impacto desde 2009...


Serviço: Mais informações técnicas sobre o Projeto estão disponíveis no website da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.

11 Apr 2012

10 Princípios da Sustentabilidade

Boa parte das minhas reflexões sobre o tema Sustentabilidade nos últimos dias têm acontecido conforme avanço com a leitura de alguns livros muito interessantes, com destaque para Strategy for Sustainability: a Business Manifesto, do ambientalista americano Adam Werbach. A propósito, pretendo escrever uma crítica sobre o livro e publicar aqui no ThinkingBiz em breve. Por ora, compartilho algo que achei genial, a que Werbach chamou de Nature's rules of Sustainability - algo como as Leis Naturais da Sustentabilidade, quase uma carta de princípios norteadores do tema.

Nature's rules of Sustainability
  • Diversify across generations.
  • Adapt and specialize the changing environment.
  • Celebrate transparency.
  • Plan and execute systemically, not compartmentally.
  • Form groups and protect the young.
  • Integrate with metrics.
  • Improve with each cycle.
  • Rightsize regularly, rather than downsize occasionally.
  • Foster longevity, not immediate gratification.
  • Waste nothing, recycle everything and borrow little.
 ***
Leis Naturais da Sustentabilidade
  • Diversificar através de gerações.
  • Adaptar e especializar o ambiente em mudança.
  • Celebrar transparência.
  • Planejar e executar sistemicamente, não em partes.
  • Formar grupos e proteger os jovens.
  • Integrar com métricas.
  • Melhorar a cada ciclo.
  • Dimensionar bem regularmente, ao invés de reduzir ocasionalmente.
  • Encorajar longevidade, não gratificação imediata.
  • Desperdiçar nada, reciclar tudo, tomar pouco emprestado.
(tradução livre do inglês, feita por Sheila Maceira, a partir do texto original contido no livro Estratégia para Sustentabilidade, do autor Adam Werbach)

3 Apr 2012

Etanol ou Gasolina?

Em várias conversas que giram em torno do desenvolvimento sustentável, o mito dos combustíveis alternativos sempre acaba aparecendo mais cedo ou mais tarde, gerando muitas discussões. Resolvi então aproveitar o tema e esclarecer de vez: afinal, o ciclo completo do etanol provê ou não melhor benefício ambiental?

Para começar, uma definição: combustíveis verdes são aqueles que produzem menos CO2 em seu ciclo completo de produção e consumo. São eles: etanol, biodiesel, eletricidade e hidrogênio líquido. E mais uma: por ciclo completo do etanol entende-se: plantio, colheita, industrialização, distribuição e consumo.

O etanol no momento é fabricado a partir de cana de açúcar e milho. Existem pesquisas em curso para fabricação de etanol a partir de celulose, mas esta fonte ainda não é 100% viável apesar da pesquisa estar bastante avançada.

Do ponto de vista ambiental, dois fatos chamam atenção nas pesquisas mais recentes sobre a pegada de carbono do ciclo do etanol:
  • Todo CO2 emitido pelos carros abastecidos com etanol é reabsorvido pelas plantações de cana de açúcar
  • Em contrapartida, o petróleo lança o CO2 retirado da terra na atmosfera, mas não o reabsorve

Do ponto de vista econômico, os fatos são também bastante animadores:
  • O etanol brasileiro é o mais barato do mundo;
  • O etanol é menos econômico mas dá mais potência do que a gasolina (maior octanagem)
  • O preço do barril do petróleo no mercado internacional hoje gira em torno de US$100: ainda que fosse US$35 por barril, o custo do etanol ainda seria mais baixo; para viabilidade econômica dos demais combustíveis verdes, este valor deveria ser no mínimo US$80
É claro que o etanol brasileiro é mais barato por vários fatores ambientais - condições climáticas, solo e outras que favorecem o cultivo da cana de açúcar - mas também por um fator social bastante inconveniente: o etanol emprega 20 vezes mais mão-de-obra do que qualquer outro combustível verde, mas as condições de trabalho de grande parte dela são não sustentáveis e baseadas na exploração dos chamados bóias-frias.

Além das relações de trabalho precárias, existem vários outros fantasmas no armário do ciclo do etanol que precisam urgentemente de uma solução ambientalmente adequada:
  • queimadas (já proibidas no estado de São Paulo a partir de 2.015)
  • contaminação de mananciais pelo descarte de efluentes produtivos como a vinhaça (que já é usada em parte como adubo da lavoura)
  • excessivo consumo de água no processo produtivo - especialmente nas usinas mais antigas chegando a 21.000 litros por tonelada de cana e degradação do solo (que exige rotação de culturas)
Além disso, as usinas de etanol usam energia limpa (gerada a partir do bagaço de cana) mas o sistema de transporte ainda usa derivados do petróleo para distribuição.

Ainda assim, a resposta para a dúvida sobre a melhor eficiência ambiental do etanol é um sonoro SIM. De acordo com estudos com base em dados da região centro-sul do Brasil, realizados pelo Professor Doutor Luiz Augusto Horta Nogueira, engenheiro mecânico e PhD no tema:

Para cada 1.000 litros de etanol, a conta do CO2 é a seguinte:
  1. Emissão na produção da cana: 173Kg
  2. Absorção no crescimento da lavoura de cana de açúcar: -7.464Kg
  3. Colheita e transporte da cana de açúcar: 2.940Kg
  4. Fabricação ao álcool: 3.140Kg
  5. Emissão no consumo (nos motores dos veículos): 1.520Kg
Portanto, para fornecer 1.000 litros de energia, o etanol emite 309Kg de CO2. Para a mesma quantidade de energia, a gasolina libera 3.368Kg, portanto pouco menos de 11 vezes mais!

Temos portanto muito a fazer ainda para tornar o ciclo do etanol mais sustentável e responsável. Mas não há duvida de que optar pelo etanol é absolutamente menos agressivo para o meio ambiente do que a alternativa gasolina - ainda que o limite de sua capacidade produtiva responsável seja suficiente para fornecer não muito mais do que 20% da necessidade mundial.

Saiba mais no website do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol.